A Epistemologia Aplicada a Valoração da Prova no Direito Penal

A justiça e a verdade dos fatos!

NATANCRI
Por NATANCRI
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Cediço no que se refere ao Direito Penal, também denominado ultima ratio, visto que a lei penal somente será aplicada quando o bem jurídico lesado não for passível de resolução por meio das outras áreas consignadas do direito, sendo este o elemento estatal de punição para a prática de ilícitos considerados especialmente graves. O que será questionado são as adstritas e milagrosas soluções advindas do denominado pacote anticrime as quais colocam em xeque o respeito as garantias processuais elencadas de maneira cristalina na Constituição da República, fragilizando uma forma de persecução já tão debilitável, tendo em vista o autoritarismo postulado em seus moldes.

No texto em espique, e imprescindível que seja encarrilhado à baila, que no caso concreto penal a determinação dos fatos e pressuposto substancial para aplicação dos dispositivos de lei exteriorizados no Código Penal e Código de Processo Penal. O cerne do desenvolvimento do processo judicial está balizado na atividade probatória, consubstanciado a isso está a preocupação em que a abordagem da disciplina da prova pelo direito se apresente de modo alheio a metodologia tida como os mais perspicazes de averiguação. Nesse sentido, é o que Innocence Project dos Estado Unidos, no sentido de demonstrar estatisticamente erros em decisões judiciais sem a correta valoração das provas acostadas no processo, identificou que tais equívocos em 47% envolveram erros relativos à má utilização de perícias científicas, seguido de 27% com base em falsas confissões. Malgrado os dados serem provenientes do sistema criminal norte-americano, esse cenário é vigente na realidade brasileira, tendo em vista que as causas desses erros se repetem, resultando em uma cultura de decisões indutivas e sem critérios, os quais muitas das vezes são acatas, simplesmente pelo respeito ao procedimento ter sido respeitado.

Nesse diapasão surge a portentosa advertência da escritora italiana Michele Taruffo, no sentido de que a justiça da decisão não pode coincidir somente com o respeito ao procedimento, pois a um processo justo pode se surgir uma decisão injusta, se o juiz valora de modo errôneo o resultado das provas. A vista disso vultosos são os estudos e pesquisas empíricos que de forma sistemática apontam a inaptidão dos métodos e técnicas processuais usualmente adotadas com fulcro no norteamento e produção de provas, os quais elucidam de maneira recorrente o seu desmedido elastério em conduzir resultados absolutamente insatisfatórios. Nessa percepção é que se destoa a advertência de Ada Pellegrini de que a investigação criminal e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de acordo com o rito probatório legalmente predeterminado.

Como já devidamente elucidado, no que tange a valoração do acervo probatório, respostas advindas estritamente dos dispositivos jurídicos não são suficientes, nesta seara podemos facilmente mencionar a metodologia para reconhecimento de pessoas, postuladas no artigo 226 do CPP consideradas validas pelo ordenamento jurídico, as quais dentre as discrepâncias entre as práticas verificadas em estudo acerca da psicologia do testemunho, destacam se a predominância do Show-up (evidenciar um singular suspeito) no reconhecimento de pessoas, técnica essa que possui maior probabilidade de provocar falso reconhecimento, além de aumentar a chance de contaminar a memória de quem possui a informação de interesse das polícias/judiciário, além da preponderância de utilização de perguntas fechadas na coleta de testemunhos, estratégia que sujeita os depoentes a alta carga de sugestionabilidade, elevando assim fadada eminência de que um inocente seja apontado como culpado.

Ensejado por tais comprovações, é que resta devidamente comprovado que o direito não pode se enclausurar, mormente em um método estritamente jurídico para valoração dos fatos, sob a égide de que houvesse uma licença prévia para determinar os fatos de modo absolutamente ultrapassado e vultuosamente irracional. A determinação dos fatos no contexto definido em lei não pode desprezar a exigência de boas razões enquanto premissas, suportando conclusões fáticas definidas por magistrados, malgrado quando essas premissas impliquem diretamente a restrição de liberdade.

Nessa esteira, é que se preza a necessidade probatória de forma epistêmica, ou seja, maneiras que permitam a adoção de mecanismos racionais para a produção da prova no processo penal, standards (modelos, padrão) de provas, que prezem pela veracidade dos fatos, elucidando para o julgador de forma clarividente após comprovações separadas da lógica stricta jurídica, apontando de forma contumaz os verdadeiros culpados, ou seja, a prova testemunhal deve permitir uma adequada reconstrução dos eventos, as provas periciais devem conter informações confiáveis sobre as questões que determinaram a decisão final dos juízes e jurados.

Para tanto o cerne de que se trata, é a relevância epistemológica no contexto de valoração probatória com fins de reduzir a influência dos diversos fatores que contribuem para a subjetividade nas decisões tomadas tantos por juízes quanto por jurados. Assumindo como premissa que a configuração do procedimento probatório é fator que diretamente impacta na expectativa de racionalidade das decisões e minorando, por outro lado, o papel da motivação propõe que o processo seja estruturado a partir de parâmetros epistêmicos. É com base nesse raciocínio–aliado às contribuições da concepção racionalista da prova que desconstrói a ideia de que, no Tribunal do Júri, a falta de conhecimentos jurídicos dos cidadãos e a ausência de fundamentação dos veredictos conduzam, invariavelmente, a decisões irracionais e insuscetíveis de controle.

Outrossim, batido que há expressa necessidade de formulação de protocolos específicos a produção de meios de provas e somente poderão ser realizadas com fulcro na busca pela verdade dos fatos a partir de uma análise de que outras áreas de conhecimento oferecerem, estudos da psicologia cognitiva, por exemplo, são o ponto de partida para a revisa o da forma como são realizados tanto o procedimento do reconhecimento de pessoas, como os relatos que pretendem servir como prova testemunhal no decorrer de um processo penal.

Aury Lopes Jr: Ao se referir ao contexto probatório, imputa a necessidade de uma filtragem dos dispositivos alinhados ao núcleo inquisitório, alinhados ao núcleo inquisitório do CPP de 1941, valemo-nos do termo filtragem epistêmica para trazer à baila as excepcionais necessidades de adequar o procedimento de provas aos parâmetros da epistemologia jurídica.

Referências bibliográficas

[1]https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/40792/1/2019_dis_ltfernandes.pdf
[2] file:///C:/Users/CLIENTE/Downloads/619-Texto%20do%20artigo-2461-1-10-20130322.pdf
[3] https://www.conjur.com.br/2021-abr-21/oliveira-direito-penal-filosofia/

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Por NATANCRI
Natanael Oliveira Reis é colaborador de coluna aqui no Direito Com Amor. Acadêmico de Direito pela Universidade do Paraná (UNOPAR), ele atualmente estagia no escritório Eduardo Duarte Advocacia. Suas contribuições destacam-se pela abordagem crítica e informada, sempre buscando a justiça e a verdade dos fatos.
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