Mesmo com o movimento de modernização da linguagem jurídica, certas expressões em latim continuam presentes e relevantes no cotidiano do Direito. Duas delas se destacam nos debates e decisões sobre recursos: “ad quem” e “a quo”. Mas de onde vêm esses termos? Eles ainda fazem sentido no Direito brasileiro?
Origem e significado
A quo
- Literalmente: “de quem” ou “de onde”
- Composição:
- “A”: preposição latina que indica origem, separação ou ponto de partida.
- “Quo”: pronome relativo interrogativo no ablativo (de onde).
- Uso clássico: muito comum na retórica e na lógica romana, especialmente ao definir pontos de origem em argumentos, movimentos ou raciocínios.
Na lógica aristotélica e na escolástica, “terminus a quo” era o ponto de partida de um movimento, tanto no tempo quanto no espaço — ou, em termos mais abstratos, de uma mudança de estado ou raciocínio.
Atualmente o Juízo a quo: é o juiz ou tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Ad quem
- Literalmente: “para quem” ou “para onde”
- Composição:
- “Ad”: preposição latina que indica direção, destino, movimento em direção a algo.
- “Quem”: pronome relativo ou interrogativo no acusativo (para quem).
- Uso clássico: designava o destino final de um processo, um movimento ou raciocínio lógico.
Na filosofia e na teologia medievais, “terminus ad quem” era o ponto de chegada ou de conclusão de um processo — seja físico, lógico ou metafísico.
Atualmente o Juízo ad quem: é o tribunal ou órgão superior responsável por julgar o recurso.
Dessas forma as expressões sintetizam a lógica do sistema recursal, marcando com clareza a relação hierárquica entre instâncias no processo judicial.
Está na lei?
Curiosamente, apesar do uso corrente na linguagem jurídica, essas expressões não constam expressamente na legislação brasileira. O Código de Processo Civil, por exemplo, não menciona os termos latinos, mas trabalha com os conceitos por trás deles.
No artigo 1.009 do CPC, ao tratar da apelação, a lei prevê que o recurso será encaminhado ao tribunal competente — ou seja, ao juízo ad quem, mesmo que essa expressão não seja usada de forma literal.
Na prática forense e jurisprudencial, no entanto, é comum encontrar votos, decisões e até petições que mencionam expressamente o “juízo ad quem” ou o “juízo a quo”, como forma de abreviar explicações e manter a linguagem técnica.
Na doutrina
Autores consagrados, como Fredie Didier Jr., Nelson Nery Júnior e Humberto Theodoro Júnior, mantêm o uso das expressões latinas ao explicarem a dinâmica dos recursos. Para eles, os termos continuam úteis por sua precisão e por fazerem parte de uma tradição consolidada na formação jurídica brasileira.
Além disso, a distinção entre os juízos a quo e ad quem é fundamental para delimitar competências e evitar nulidades processuais, sendo uma estrutura conceitual que transcende o vocabulário técnico e organiza o funcionamento do sistema judicial.
Por que ainda usamos?
Mesmo com o esforço de tornar o Direito mais acessível, algumas expressões resistem ao tempo — e com bons motivos:
- Síntese conceitual: transmitem muito com poucas palavras;
- Tradição doutrinária: estão presentes em livros, manuais e aulas de Direito;
- Utilidade técnica: facilitam a explicação e a distinção entre instâncias.
Contudo, é importante que operadores do Direito tenham o cuidado de explicar essas expressões sempre que se dirigirem ao público leigo, mantendo a clareza e a função social da linguagem jurídica.
As expressões ad quem e a quo representam mais do que um apego ao latim: elas continuam sendo ferramentas importantes para descrever a lógica do sistema recursal brasileiro. Saber usá-las — e principalmente, saber explicá-las — é um sinal de domínio técnico e respeito à tradição, mas também de responsabilidade com a comunicação no Direito.
Além disso, as faculdades de Direito continuam ensinando esses termos, justamente porque fazem parte do vocabulário cotidiano do processo judicial brasileiro. Tribunais, doutrina e prática forense os empregam com frequência, o que torna essencial ao estudante e ao operador do Direito reconhecê-los e compreendê-los com precisão.