O Brasil vive um fenômeno inusitado: o número de contratos de namoro registrados em cartório nunca foi tão alto. Em 2024, Segundo dados do Colégio Notarial do Brasil (CNB), 2023 foi marcado por um recorde histórico na formalização desses acordos, com um aumento de 35% em relação ao ano anterior. No total, foram registrados 126 contratos em cartórios de todo o país.
A tendência se mantém em 2024, com 44 escrituras já lavradas entre janeiro e maio. O mês de julho, inclusive, costuma ser o pico de procura por esse tipo de serviço, com 19 registros em 2023.
Os contratos de namoro surgiram como uma forma de oficializar a relação afetiva entre duas pessoas sem que isso gere implicações jurídicas típicas de uma união estável, não está previsto explicitamente em uma lei específica no ordenamento jurídico brasileiro, mas baseia-se no princípio da autonomia privada, que permite às partes celebrarem contratos e pactos de acordo com seus interesses, desde que não contrariem a ordem pública, os bons costumes e as disposições legais. Este princípio está previsto no artigo 421 do Código Civil Brasileiro:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Além disso, o artigo 104 do Código Civil estabelece os requisitos para a validade dos negócios jurídicos:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Portanto, o contrato de namoro é considerado válido desde que atenda aos requisitos gerais dos negócios jurídicos e que não haja a intenção de constituir uma união estável, o que deve ser expressamente declarado no contrato. Aplicando-se o princípio “pacta sunt servanda”, os contratos celebrados de forma livre e consciente possuem força de lei entre as partes, garantindo que os acordos sejam respeitados conforme estipulado.
Razões do Aumento
Especialistas apontam diversas razões para a crescente popularidade desses contratos. A advogada Carolina Santos explica que “muitas pessoas estão buscando se proteger de eventuais disputas patrimoniais e obrigações legais que uma união estável pode acarretar. Com o contrato de namoro, fica mais claro para ambas as partes que a relação não tem o objetivo de se transformar em união estável”.
Além disso, a insegurança jurídica e o medo de futuras ações judiciais envolvendo partilha de bens e pensão alimentícia são fatores que impulsionam essa demanda. O advogado Rafael Silva acrescenta que “a formalização do namoro é uma forma preventiva de evitar problemas no futuro, principalmente para aqueles que possuem patrimônio considerável”.
Procedimentos e Legalidade
Para que o contrato de namoro tenha validade, é necessário que seja elaborado com a orientação de um advogado e registrado em cartório. O documento deve deixar claro que não existe a intenção de constituir família ou gerar efeitos patrimoniais decorrentes da relação.
“A clareza e a precisão na redação do contrato são fundamentais. É importante que o documento expresse de maneira inequívoca a vontade das partes, evitando ambiguidades que possam gerar interpretações conflitantes no futuro”, destaca a advogada Maria Fernanda Rodrigues.
Controvérsias e Críticas
Embora os contratos de namoro estejam ganhando popularidade, eles não estão isentos de controvérsias. Alguns críticos argumentam que essa prática pode desvirtuar o propósito das relações afetivas, transformando o que deveria ser um compromisso emocional em uma mera relação contratual. “Existe uma preocupação de que esses contratos possam reduzir a relação a um acordo econômico, enfraquecendo o vínculo afetivo”, alerta a psicóloga Mariana Almeida.
Por outro lado, defensores do contrato de namoro afirmam que ele oferece segurança jurídica e transparência, especialmente em um cenário onde a legislação sobre união estável ainda pode gerar interpretações variadas. Para muitos, é uma forma prática de proteger seus interesses enquanto mantêm um relacionamento amoroso.
Tendências Futuras
Com o aumento da conscientização sobre os direitos e deveres nas relações afetivas, a tendência é que os contratos de namoro continuem a crescer em popularidade. Especialistas acreditam que, além da proteção patrimonial, esses documentos podem fomentar discussões mais abertas e honestas sobre as expectativas de cada um dentro do relacionamento.
“O diálogo franco sobre os limites e as intenções da relação pode, paradoxalmente, fortalecer o vínculo do casal, ao invés de enfraquecê-lo”, conclui a socióloga Ana Paula Lima.
Em um cenário onde a proteção jurídica e a clareza nas relações são cada vez mais valorizadas, os contratos de namoro se consolidam como uma ferramenta importante para muitos brasileiros que desejam manter a independência patrimonial sem abrir mão de um relacionamento afetivo estável.