Brasileira com dor rara busca suicídio assistido no exterior: entenda o caso

Direito à Vida e a Morte

Bruno Amaro
13 Minutos de leitura

Tem repercutido na imprensa nacional o caso da Brasileira Carolina Arruda de  27 anos de Minas Gerais que sofre de Neuralgia do Trigêmeo, com condição rara que provoca dores intensas e constantes na face, a estudante de medicina veterinária diz conviver com um sofrimento que poucos podem imaginar.

Ao G1 Carolina diz não ter um tratamento eficaz, mesmo fazendo uso de mais de 10 medicamentos, entre eles a morfina e o canabidiol, e que devido ao sofrimento amadureceu a ideia de que a eutanásia ou suicídio assistido seriam a solução para o seu problema. Agora, ela tenta conseguir recursos financeiros para viajar para a Suíça, onde o procedimento que antecipa o falecimento é garantido por lei, mas exige algumas condições específicas para ser permitido, como a existência de doença incurável, de sofrimento exacerbado e de altos níveis de dores, além de comprovação médica. No Brasil, a eutanásia é crime e não há um artigo específico sobre esse tipo de situação, mas o ‘induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação’, está tipificado como crime no artigo 122 do Código Penal.

Os primeiros sintomas da condição surgiram quando ela ainda era adolescente, por volta dos 16 anos. Na época, Arruda foi surpreendida por uma dor intensa no lado esquerdo do rosto. Nas publicações, ela compara o desconforto do distúrbio ao provocado por um choque ou uma facada.

Após a primeira crise, a jovem demorou cerca de quatro anos, entre as salas de diversos médicos e especialistas, até descobrir o diagnóstico de neuralgia do trigêmeo. A condição é incurável e não possui uma causa definida.

Carolina Arruda tem neuralgia do trigêmeo — Foto: Carolina Arruda/Arquivo pessoal

Desde então, ela foi submetida a pelo menos quatro cirurgias, mas, segundo a estudante, a dor não reduziu. Devido ao sofrimento, ela decidiu buscar a eutanásia, porém o procedimento é proibido no Brasil.

Devido às dores, a jovem desenvolveu um quadro depressivo. “Antes da neuralgia do trigêmeo dominar minha vida, eu era uma pessoa cheia de energia e com muitos sonhos. Sempre adorei ler, estudar e fazer atividade física. No entanto, a dor constante tirou de mim a capacidade de fazer essas coisas, transformando meus dias em uma luta contínua”, afirmou.

Por causa da dor intensa, descrita como choques elétricos, que pode ser desencadeada por atividades simples como falar, comer ou até mesmo uma leve brisa no rosto, a jovem se viu em uma rotina exaustiva de tratamentos.

“A dor que sinto é descrita como uma das dores mais intensas que um ser humano pode experimentar, comparável a choques elétricos equivalentes ao triplo da carga de uma rede 220 volts que atravessam meu rosto constantemente, sem aviso e sem trégua. Infelizmente, a minha situação é ainda mais complicada porque é bilateral – ou seja, afeta ambos os lados do meu rosto”.

BUSCO APENAS PAZ E ALÍVIO

Residente de Bambuí, em Minas Gerais, ela atualmente promove uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para conseguir viajar para um país onde a prática seja permitida. “Busco apenas paz e alívio”, justifica a estudante.

No site oficial da vaquinha, Carolina explicou que começou a busca para compreender a doença há 11 anos, quando tinha 16 anos. Dentre as quatro cirurgias realizadas, estão:

  • Descompressão microvascular;
  • Rizotomia por balão;
  • Duas neurólises por fenolização.

“Além disso, tentei inúmeros tratamentos farmacológicos, incluindo anticonvulsivantes, analgésicos, opioides e antidepressivos. Infelizmente, nenhum desses procedimentos trouxe o alívio esperado”, detalhou a jovem.

Diferença entre Eutanásia e Suicídio Assistido

Na eutanásia, o indivíduo tem a morte induzida por um médico, que aplica uma injeção letal e indolor. Já no suicídio assistido, liberado em poucos países, como Holanda e Suíça, a pessoa solicita acesso a uma substância letal, que pode ser ingerida ou aplicada pela própria pessoa.

Existe ainda a ortotanásia, prática médica que envolve a suspensão ou não iniciação de tratamentos que prolongam a vida de pacientes em estágio terminal, permitindo que a morte ocorra de forma natural. Ao contrário da eutanásia, que implica uma ação direta para acelerar a morte, a ortotanásia se concentra em proporcionar conforto e aliviar o sofrimento sem interferir no processo natural do morrer. Essa abordagem respeita a dignidade do paciente e os seus desejos, muitas vezes expressos em diretivas antecipadas ou testamentos vitais, e é amparada por princípios éticos que valorizam a qualidade de vida nos momentos finais. A ortotanásia é legal em diversos países e é vista como uma forma de cuidado paliativo, priorizando o bem-estar e o respeito à autonomia do paciente.

Eutanasia na Suíça

Carolina pretende realizar o procedimento da eutanásia na instituição Dignitas, na Suíça. “É uma das poucas no mundo que oferece essa opção para pessoas com doenças incuráveis e debilitantes. No entanto, o custo desse procedimento é bastante elevado. A estimativa é que o total necessário, incluindo os custos de viagem e médicos, ultrapasse 150 mil reais”, justificou.

Até a noite de quinta-feira (4), ela já havia arrecadado 57,9 mil reais dos 150 mil totais.

E no Brasil?

Como já relatado, tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia são proibidos. Conforme a legislação brasileira, ambos os procedimentos são criminalizados. Em 2020 surgiu a Ideia Legislativa nº 49607/2020 que previa regular a morte assistida de pessoas com doenças em estágio terminal, e mentalmente sãs, pelo Sistema Único de Saúde mas não conseguiu apoio mínimo para prosseguir.

No Brasil, o suicídio assistido é grande vetor de discussões que envolvem questões éticas e religiosas, que influem sob a legislação e na possibilidade de legalização da técnica no país.

Em uma publicação do portal Jornal do Campus produzido pela USP, Luciana Dadalto, Bioeticista e advogada com atuação exclusiva em Bioética, doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de Minas Gerais e mestre em Direito Privado pela PUCMinas explica que  “A sociedade brasileira é fundada na moralidade judaico-cristã, que entende a vida como um presente divino e não como algo pertencente ao indivíduo; assim, temos dificuldade na defesa e na aceitação do direito de morrer como um direito individual e fundamental, Esta moralidade está presente nas leis e nas normas deontológicas brasileiras que proíbem a disposição sobre a vida”, complementa.

Depois da morte por suicídio assistido de Jean-Luc Godard ser noticiado em toda mídia internacional, as opiniões sobre o procedimento ganharam espaço.

A matéria ainda conta com a opinião de Alan Campos Luciano, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – IPq/HCFMUSP e um dos autores do livro Compreendendo o Suicídio (2021),indicando que a autonomia é um dos pilares máximos na bioética e que deve ser levada em consideração em casos do suicídio assistido. No entanto, o psiquiatra também pontua que o procedimento é cheio de implicações que devem ser levadas em conta, principalmente em casos psiquiátricos.

“Existem muitas situações em que a nossa capacidade de deliberar está prejudicada”, explica. Segundo o profissional, parte dos casos de ação suicida estão relacionados a transtornos mentais, transtornos esses que podem afetar a capacidade de decisão de pacientes quanto à morte.

O psiquiatra conta que a assistência em saúde mental no Brasil é precária. Para Campos, a prática do suicídio assistido requer muita maturidade social, o que no país não é bem estabelecido.

“Hoje, a gente não tem uma estrutura pronta para conseguir avaliar a capacidade de consentir de cada um, em cada momento, e tampouco garantir que foram oferecidas as melhores chances e possibilidades antes de tomada de decisão [suicídio assistido]”, explica.

Corrente Doutrinária

No Brasil, a discussão sobre o suicídio assistido ganha força, com juristas renomados defendendo a legalização da prática em casos de sofrimento extremo e terminal. Essa corrente de pensamento baseia-se em conceitos jurídicos fundamentais, como a autonomia individual, a dignidade da pessoa humana e o direito à morte digna.

Luís Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a descriminalização do suicídio assistido em casos de sofrimento extremo e terminal durante o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 618. Nessa ocasião, Barroso reconheceu o direito à autonomia individual e à morte digna, argumentando que os pacientes em estado terminal, com sofrimento insuportável, devem ter o direito de decidir sobre o fim de suas vidas de maneira assistida e humanizada. Ele destacou a importância de respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais, propondo que a legislação brasileira se alinhe a esses princípios.

A Professora Deborah Duprat de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Especialista em bioética e direitos da saúde, defende a legalização do suicídio assistido como uma questão de saúde pública e justiça social. Argumenta que o direito à morte digna e à autonomia do paciente, além da necessidade de medidas para prevenir o sofrimento desnecessário. Publicou o livro “Direito à Morte Digna: Argumentos em Favor da Legalização da Eutanásia e do Suicídio Assistido no Brasil” (2012) e diversos artigos sobre biodireito.

Em contra partida Marco Aurélio Mello Ministro aposentado do STF. Votou contra a descriminalização do suicídio assistido em um caso emblemático em 2012, argumentando que a vida humana é um bem indisponível e que o Estado deve protegê-la a todo custo. Ao mesmo passo Ives Gandra Martins Jurista brasileiro, especialista em direito constitucional. Defende a tese de que a vida humana é um bem indisponível e que o Estado deve protegê-la a todo custo.

Mauro Nobre: Médico brasileiro, neurologista e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Argumenta que o suicídio é um ato complexo com diversas causas e que a legalização do suicídio assistido não seria uma solução eficaz para prevenir o suicídio.

Assim, o debate sobre o suicídio assistido no Brasil reflete uma profunda divisão entre os que valorizam a autonomia individual e a dignidade da pessoa humana, e aqueles que acreditam na inviolabilidade da vida e no dever do Estado de protegê-la. À medida que a sociedade brasileira evolui e se depara com questões complexas de bioética, esse tema continuará a suscitar discussões intensas e a desafiar as fronteiras entre a ética, o direito e a saúde pública.

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É o responsável pela administração do Direito Com Amor. Além das funções administrativas e comerciais, também atua no conselho editorial e na edição e produção de conteúdo. Atualmente Acadêmico em Direito, mas tem sua formação inicial em Administração de Empresas, Agrimensura além de especializações no setor tributário.
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