Escravidão contemporânea: um flagelo que ainda persiste no Brasil

Desafios e Realidades no Brasil Atual

Bruno Amaro
9 Minutos de leitura

A desigualdade social no Brasil não é novidade, mas quando abordamos os direitos trabalhistas, o contraste se torna não só evidente, mas absurdamente desproporcional. Não por acaso, o ordenamento jurídico brasileiro considera o trabalhador CLT como hipossuficiente, ou seja, em uma condição de vulnerabilidade em relação ao empregador, necessitando de proteção especial para assegurar seus direitos. Ao longo deste ano, diversos casos de resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão foram amplamente noticiados pela imprensa. Embora ainda não haja uma estimativa oficial do número de trabalhadores resgatados em 2024, o relatório do Ponto de Contato Nacional (PCN) revela que, entre 1996 e 2023, 3.700 trabalhadores foram resgatados em situações análogas à escravidão em vários setores, incluindo cafeicultura, vinícolas, pecuária, lavouras de cana-de-açúcar, construção civil e indústria têxtil no Brasil. Somente em 2023 foram 1443 trabalhadores resgatados.

Fonte: G1 Em matéria Exibida no Fantástico em 22/10/2017

A escravidão no Brasil foi um dos pilares da economia colonial e imperial, perdurou cerca de três séculos e meio. Milhões de africanos foram trazidos à força para o continente americano, sendo submetidos a condições desumanas de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar, café, algodão e outros produtos.

A escravidão não é um problema restrito ao passado. Embora tenham se passado quase duzentos anos desde a Lei Feijó de 1831, a primeira a tratar da abolição do tráfico de escravos, e a Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel em 1888, que teoricamente aboliu o trabalho escravo no Brasil, a realidade é que condições análogas à escravidão ainda persistem. Essas práticas não se manifestam mais sob a ótica da propriedade, como na era colonial, mas agora sob o disfarce de um homem formalmente livre, porém materialmente escravizado. Apesar das expectativas criadas por essas leis e da firme condenação expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o país continua registrando números alarmantes de trabalhadores em situação de exploração. A dificuldade em erradicar o trabalho escravo se deve, em parte, à vasta extensão territorial do Brasil e às condições socioeconômicas adversas, como o alto desemprego, que levam muitas pessoas a aceitar condições de trabalho degradantes na tentativa de sobreviver.

Com relação ao atual cenário de desemprego, publicamos aqui no Direito Com Amor a coluna “CLT Premium: Realidade ou Mito nas Redes Sociais?”,que explora a intrigante dualidade do mercado de trabalho brasileiro. De um lado, os trabalhadores que lutam por direitos básicos e condições mínimas; do outro, o conceito de “emprego CLT PREMIUM” uma realidade oposta que representa um contraste absurdo. Esse conceito revela uma disparidade surreal entre a extrema exploração enfrentada por muitos e os benefícios generosos oferecidos por algumas empresas. A coluna ilustra como essa diferença expõe a complexidade e a desigualdade do cenário trabalhista no Brasil, evidenciando a enorme distância entre as diversas experiências de trabalho sob o mesmo sistema jurídico.

Escravidão moderna

Mas, afinal de contas, o que é a escravidão moderna? A principal lei que rege o assunto no Brasil está tipificada no artigo 149 do Código Penal de 1940,

 “Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.  Com Pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Caput Art. 149 CP

As expressões “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” foram introduzidas pela Lei Federal nº 10.803/2003, que modernizou a repressão à escravidão contemporânea no Brasil.

Além disso os parágrafos 1º e 2º estabelecem outras situações que podem ser enquadradas na mesma pena:

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.” (NR)

Em outras palavras, a Escravidão moderna é uma prática ilegal e desumana na qual indivíduos são forçados ou coagidos a trabalhar sob condições degradantes, sem liberdade para deixar o emprego, seja por meio de violência, ameaças, dívidas, ou restrição de movimentos. Embora não se manifeste nas mesmas formas históricas, como a escravidão colonial, a escravidão moderna ainda persiste em diversas formas, como o trabalho forçado, tráfico de pessoas, exploração sexual, e outras práticas que se comparam à escravidão.

OCDE e o Brasil

Mesmo o Brasil sendo signatário da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) organização internacional fundada em 1961 que reúne 38 países membros que trabalham juntos para promover políticas que melhorem o bem-estar econômico e social em todo o mundo, o Brasil possui atualmente 471 empregadores na “Lista Suja” do trabalho escravo, que é um cadastro público mantido pelo governo brasileiro que reúne o nome de pessoas físicas e jurídicas incluindo multinacionais que foram condenadas por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão.

A persistência da escravidão contemporânea no Brasil, apesar dos avanços legais e da adesão a organismos internacionais como a OCDE, revela a complexidade do problema e a necessidade de ações mais contundentes. A existência de uma ‘Lista Suja’ com centenas de empresas envolvidas em práticas análogas à escravidão evidencia a urgência de políticas públicas eficazes para combater esse crime, que fere os direitos humanos, a Constituição Federal e mancha a imagem do país no cenário internacional. É fundamental fortalecer a fiscalização do trabalho, investir em educação e conscientização, e promover a inclusão social para romper o ciclo de pobreza e desigualdade que contribui para a perpetuação dessa prática.”

Denuncie!

Qualquer cidadão pode contribuir para a erradicação do trabalho escravo no Brasil. Através do Sistema Ipê, plataforma online do Ministério do Trabalho e Previdência (Denuncie Aqui), é possível realizar denúncias de forma anônima e segura. Essa ferramenta facilita a identificação e o combate a essa prática criminosa, permitindo que qualquer pessoa com conhecimento de situações de trabalho análogo à escravidão possa sinalizar às autoridades competentes, contribuindo para a construção de um país mais justo e livre de exploração.

Sugestão de Leitura

“Escravidão Contemporânea e Direitos Fundamentais” é uma obra que provoca uma profunda reflexão sobre a persistência da escravidão moderna no Brasil, país que, apesar de quase duzentos anos de avanços legislativos e da adesão a tratados internacionais, ainda enfrenta a contradição entre a liberdade formal e a realidade material de seus trabalhadores. A análise revela como o Brasil, inserido na periferia do sistema econômico mundial, continua a lutar contra práticas que, embora oficialmente abolidas, ressurgem em novas formas sob a influência de um capitalismo selvagem que desafia tanto a Constituição de 1988 quanto as normas globais de direitos humanos. A obra expõe a (in)eficácia dos mecanismos de combate à escravidão no país, mostrando como essa realidade reflete um defeito estrutural ou uma resistência ao controle normativo internacional e à proteção dos direitos fundamentais.

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É o responsável pela administração do Direito Com Amor. Além das funções administrativas e comerciais, também atua no conselho editorial e na edição e produção de conteúdo. Atualmente Acadêmico em Direito, mas tem sua formação inicial em Administração de Empresas, Agrimensura além de especializações no setor tributário.
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