O Superior Tribunal de Justiça (STJ) atingiu recentemente a marca simbólica de um milhão de habeas corpus recebidos desde sua instalação em 1989 . Esse número recorde acende um alerta sobre o uso crescente desse instrumento jurídico, originalmente destinado a proteger o direito de locomoção, mas que vem sendo utilizado de forma ampla e, por vezes, desvirtuada.
Uso Desvirtuado do Habeas Corpus
O ministro Ribeiro Dantas, relator do habeas corpus de número 1.000.000, destacou que o instituto perdeu sua essência, sendo utilizado atualmente “para tudo que envolve o processo penal”, incluindo temas como nulidades e dosimetria de pena . Essa prática tem sobrecarregado o sistema judicial e desviado o habeas corpus de sua função primordial.

O ministro Ribeiro Dantas também aponta o desrespeito sistemático aos precedentes dos tribunais superiores como uma das principais causas do problema. A ausência de um compromisso com a jurisprudência consolidada transforma o sistema em uma “roleta russa”, onde decisões similares podem ter desfechos diferentes, incentivando a impetração de habeas corpus como tentativa de reverter decisões desfavoráveis.
Causas Estruturais e Jurisprudência Ambígua
Especialistas apontam que o uso excessivo do habeas corpus reflete falhas estruturais no sistema de justiça. O desembargador Guilherme de Souza Nucci observa que o habeas corpus vem sendo utilizado como atalho por advogados para contornar a complexidade dos recursos ordinários, agravando o congestionamento dos tribunais superiores . Além disso, a ambiguidade na jurisprudência, com decisões que ora aceitam, ora rejeitam o uso do habeas corpus como substituto recursal, contribui para a banalização do instituto.
Reflexão e Compromisso Coletivo
As deficiências técnicas em algumas petições de habeas corpus também contribuem para o volume excessivo, sobrecarregando o sistema. Além disso, a atuação do Ministério Público na formulação das acusações é colocada em xeque, com a sugestão de que uma abordagem mais criteriosa poderia mitigar o número de casos que chegam às cortes superiores.
Apesar das preocupações com o uso excessivo, o artigo reitera a importância inquestionável do habeas corpus. Ele permanece como um instrumento vital e eficaz na salvaguarda das liberdades individuais contra ilegalidades e abusos de poder, um pilar fundamental da proteção dos direitos civis no Brasil.
A análise aprofundada desse fenômeno é imperativa para que se possa reformular as práticas e os procedimentos, garantindo que o habeas corpus continue a ser um mecanismo de proteção legítimo e eficiente, sem comprometer a estabilidade e a credibilidade do sistema de justiça como um todo.
Diante desse cenário, é necessário um compromisso coletivo com o rigor técnico e o uso responsável dos instrumentos processuais. A preservação da função primordial do habeas corpus como garantia contra abusos e ilegalidades evidentes depende da atuação coordenada de magistrados, advogados e demais operadores do direito, visando à celeridade e eficiência do sistema judicial e à efetividade da tutela das liberdades individuais.
Com informações do Superior Tribunal de Justiça