Será que estamos diante de surtos individuais ou de um fenômeno coletivo? A crescente popularidade das chamadas bonecas reborn — réplicas hiper-realistas de bebês, feitas com silicone ou vinil e tratadas por muitos como filhos reais — levanta debates que vão muito além do insólito. Em tempos de redes sociais, hiperexposição e um mundo emocionalmente adoecido, o que inicialmente poderia parecer apenas um “hobby excêntrico” ou uma forma alternativa de lidar com traumas, começa a provocar reações sociais, jurídicas e até políticas.
O que são bebês reborn?
Produzidas com altíssimo realismo, as bonecas reborn são moldadas para imitar bebês reais: peso semelhante, textura de pele, cheiros, dobrinhas e até veias visíveis. O fenômeno ganhou força em diversos países e, no Brasil, tem se tornado uma prática cada vez mais comum, não apenas entre colecionadores ou artistas, mas entre pessoas que os tratam como se fossem filhos biológicos.
As bonecas reborn podem variar bastante de preço, custando entre R$ 750 e R$ 9,5 mil, dependendo do material utilizado e do nível de realismo envolvido na produção. Os modelos mais sofisticados são feitos de silicone sólido, que se assemelha bastante à textura da pele de um recém-nascido. Algumas versões incluem mecanismos internos que simulam batimentos cardíacos ou permitem que a boneca seja alimentada com mamadeira e até “urine”, por meio de um sistema de tubos.
Já as opções mais acessíveis são produzidas em vinil, material mais rígido e comum na fabricação de bonecas tradicionais. Esses modelos costumam ser escolhidos principalmente por quem compra para crianças, já que exigem menos cuidados do que os feitos em silicone.
O bom senso e os absurdos
Há relatos de mães de reborns que organizam chá de bebê, contratam fotógrafos profissionais, registram nomes fictícios e saem com seus “filhos” pelas ruas, empurrando carrinhos, frequentando consultas médicas fictícias ou exigindo prioridade em filas de estabelecimentos, como no caso emblemático que ganhou as manchetes recentemente.
A influenciadora digital Carolina Rossi, conhecida como Sweet Carol, que chegou a encenar um parto fictício em ambiente hospitalar, com direito a preparação do quarto, equipe médica e filmagem profissional. O vídeo gerou grande repercussão nas redes, dividindo opiniões do público entre apoio, espanto e críticas. Além disso, Carolina mantém um perfil exclusivo para sua boneca, onde publica fotos, vídeos e momentos do dia a dia, como se fosse uma mãe real. A exposição do caso reacendeu o debate sobre os limites do comportamento simbólico e os impactos sociais dessa prática.

Já em notícia veiculada no Jornal O Tempo Uma jovem de 18 anos rivalizou nas redes sociais após compartilhar um vídeo levando seu bebê reborn ao hospital. Na gravação, ela diz que a criança teve febre e precisou tomar medicação.
O episódio revela uma preocupante inversão de prioridades e a fragilidade dos limites entre o simbólico e o real. Caso o ocorrido tenha acontecido de fato, ao utilizar um serviço público de saúde para simular o atendimento a uma boneca, a jovem não apenas expôs a falta de bom senso, como também desrespeitou o princípio da coletividade, desviando recursos e tempo de profissionais que poderiam estar atendendo pacientes reais. A atitude evidencia a urgência de se discutir os limites éticos e legais desse tipo de comportamento, especialmente quando envolve estruturas públicas e o direito de terceiros.

Esse e outros episódios escancaram o dilema: como o Direito deve lidar com casos em que o limite entre fantasia e realidade é rompido em nome da emoção ou da “liberdade afetiva”?
Distúrbio Psicológico ou liberdade afetiva?
Especialistas da área da saúde mental como o Dr. Daniel Barros, psiquiatra, em entrevista à CNN Brasil alertam: há contextos clínicos em que o uso de bebês reborn pode, de fato, auxiliar no tratamento de traumas — como a perda de filhos ou a infertilidade. No entanto, quando a boneca se torna substituta da realidade e passa a ocupar um lugar de sujeito — com exigência de direitos civis e sociais — estamos diante de um risco psíquico e coletivo.
Carla Campos, psicóloga e terapeuta de EMDR, em entrevista ao jornal O Tempo, afirmou que, embora os bebês reborn possam ser utilizados como instrumentos terapêuticos em casos específicos, como luto ou solidão extrema, o apego excessivo a esses objetos pode cristalizar padrões dissociativos, dificultando a reintegração da pessoa ao mundo real e ao convívio social saudável.
Essas opiniões reforçam a importância de distinguir entre o uso terapêutico e o comportamento que pode indicar distúrbios psicológicos mais profundos.
Desafios práticos no Direito
Além dos debates teóricos, a questão já tem impactos concretos no dia a dia dos operadores do Direito. Advogados de diversas regiões do Brasil relatam um aumento significativo na procura por orientação e atuação em casos que envolvem bebês reborn, especialmente em processos de divórcio e direitos sucessórios. Em algumas situações, as bonecas são consideradas bens afetivos, gerando discussões complexas sobre guarda, posse e até inventário.
Esses casos desafiam o Direito tradicional a lidar com realidades simbólicas que escapam da lógica jurídica convencional. Enquanto alguns profissionais buscam construir argumentos para reconhecer o valor afetivo dessas “propriedades emocionais”, outros alertam para o risco de banalização das demandas judiciais e a necessidade de critérios claros para que o Judiciário não seja sobrecarregado por litígios que envolvem objetos inanimados, mas carregados de significado pessoal.
Recentemente A advogada Suzane Ferreira ganhou destaque nas redes sociais ao comentar um caso inusitado envolvendo um casal goiano e uma boneca do tipo “bebê reborn”. Em vídeo publicado dia 12/05/2025, Suzane esclareceu que não defende os direitos de bonecas e explicou os motivos que a levaram a recusar o caso, que gerou repercussão pública.
Segundo a advogada, uma mulher a procurou afirmando ter constituído uma família simbólica, na qual o bebê reborn era tratado como filha. Após o fim do relacionamento, a ex-companheira teria se recusado a devolver a boneca, alegando forte apego emocional.
“Ela relatou que, ao longo da convivência, criaram laços afetivos com a boneca, e que a outra parte não aceitava o fim do relacionamento sem levar a ‘filha reborn’ consigo”, explicou Suzane.
Outro ponto curioso revelado pela advogada foi a existência de uma conta em rede social dedicada à boneca, a qual também estaria sendo disputada entre as partes. A cliente desejava judicializar não apenas a guarda da boneca, mas também a titularidade do perfil.
Apesar da carga emocional envolvida, Suzane recusou o caso. “Não é possível regulamentar a guarda de uma boneca. O Direito de Família tem por objeto seres humanos, pessoas reais, e não itens com valor simbólico ou afetivo apenas”, pontuou.
A advogada destacou ainda que, embora o caso exponha questões contemporâneas sobre afeto, identidade e vínculos emocionais com objetos, não há respaldo jurídico para ações dessa natureza no ordenamento brasileiro.
Limites jurisdicionais do Direito
Tradicionalmente baseado em provas materiais, racionalidade e objetividade, começa a ser pressionado por demandas afetivas e subjetivas. A Constituição Federal garante proteção à dignidade da pessoa humana, mas a dúvida persiste: é possível estender essa proteção a objetos inanimados que são tratados como pessoas?
Evidentemente, a resposta é não. Contudo, o tema já motivou movimentações no Legislativo. Três projetos de lei foram apresentados com o objetivo de conter abusos e garantir a sanidade das normas sociais:
- PL 2326/2025, de autoria do deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), propõe a proibição da simulação de situações jurídicas ou sociais com bonecos reborn, com o objetivo de impedir fraudes e proteger a função pública das normas de convivência.
- PL 2323/2025, da deputada Rosângela Moro (União-SP), prevê acolhimento psicossocial no SUS de pessoas que desenvolvam vínculos afetivos intensos com objetos de representação humana
- PL 2320/2025, apresentado Dr. Zacharias Calil – UNIÃO/GO, que “Dispõe sobre a aplicação de sanção administrativa a quem utilizar boneca do tipo “bebê reborn” ou artifício similar para obter benefícios destinados a crianças de colo e dá outras providências”..
Na prática é possível que essas “mães” com filhos de colo utilizando uma boneca reborn possam responder civil e criminalmente, a depender do caso.
Embora ainda não haja precedentes específicos envolvendo bonecas reborn, tribunais já decidiram contra o uso indevido de vagas especiais e benefícios legais por meio de declarações falsas. Esses casos servem de analogia jurídica e reforçam que a boa-fé objetiva deve guiar o exercício de direitos.
Sinais dos tempos?
Talvez o fenômeno dos reborns seja mais um sintoma do que uma causa. Vivemos tempos em que a dor é silenciada, os laços sociais se esgarçam e o vazio emocional é preenchido por objetos e fantasias. A tentativa de transformar um boneco em filho pode ser vista como uma expressão do sofrimento humano — mas quando essa fantasia se transforma em reivindicação de direitos reais, a sociedade precisa traçar limites.
A pergunta que se impõe, portanto, é: até onde vai o direito de fantasiar? E mais: seria isso um surto individual ou um alerta coletivo de que algo vai muito mal em nossa sociedade?
São noticias como essas, são alertas de uma sociedade que precisa de ajuda, que escolhe viver em uma fantasia do que enfrentar a realidade da vida, assumindo seus acertos e seus erros; Precisamos urgente olhar com muito mais atenção e cuidado para uma sociedade carente aceitação; Qual é o limite do bom senso? Um verdadeiro desafio;