O Tribunal de Nuremberg, realizado entre 1945 e 1946, foi um dos eventos mais importantes da história do direito internacional. Esse tribunal militar estabeleceu um precedente significativo ao julgar e punir os líderes nazistas responsáveis por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes contra a paz durante a Segunda Guerra Mundial. O objetivo deste artigo é explorar o contexto histórico, o processo judicial e o legado do Tribunal de Nuremberg.
Contexto histórico
Ao final da Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou horrorizado com a magnitude dos crimes cometidos pelo regime nazista. Milhões de pessoas haviam sido perseguidas, torturadas e assassinadas em nome da ideologia nazista. Para garantir que os responsáveis por essas atrocidades fossem levados à justiça, os Aliados estabeleceram o Tribunal Militar Internacional (TMI) em Nuremberg, cidade símbolo do partido nazista.
Os Aliados da Segunda Guerra Mundial foi uma coalizão de países que se uniram a partir da carta de declaração das “Nações Unidas” de 1 de janeiro de 1942 para combater as Potências do Eixo, que eram lideradas principalmente pela Alemanha nazista, Itália fascista e Japão imperialista. A aliança incluiu nações de diferentes partes do mundo e foi formada com o objetivo de derrotar as forças agressoras e restaurar a paz, o texto da declaração afirmava que “A completa vitória sobre nosso inimigos é essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa, e para preservar os direitos humanos e a justiça em suas próprias terras, bem como em outras terras, e que eles já estão envolvidos em uma luta comum contra as forças selvagens e brutais que procuram subjugar o mundo.”
A coordenação e o esforço conjunto dos Aliados em várias frentes ajudaram a enfraquecer as Potências do Eixo e eventualmente a levar à derrota de Alemanha, Itália e Japão em 1945. A Segunda Guerra Mundial terminou com a rendição incondicional dessas nações agressoras.
O julgamento
O julgamento de Nuremberg foi pioneiro em muitos aspectos. Foi o primeiro tribunal internacional a julgar indivíduos por crimes contra a humanidade. Os principais líderes nazistas, incluindo Hermann Göring, Rudolf Hess e Joachim von Ribbentrop, foram levados a julgamento por acusações que variavam desde crimes de guerra até crimes contra a humanidade, genocídio e agressão.
O tribunal foi composto por juízes que eram representantes das nações aliadas e tinham a responsabilidade de garantir um julgamento justo e imparcial para os réus. Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e França. Entre os Juízes estavam:
1. Robert H. Jackson (EUA): Jackson foi nomeado como o principal promotor para os Estados Unidos e atuou como o chefe da acusação nos julgamentos. Ele desempenhou um papel fundamental na elaboração das acusações e na apresentação do caso contra os réus nazistas.
2. Sir Geoffrey Lawrence (Reino Unido): Sir Lawrence foi o presidente do Tribunal Militar Internacional e representou o Reino Unido nos julgamentos. Ele supervisionou as sessões do tribunal e garantiu que os procedimentos fossem conduzidos de maneira justa.
3. Major General Ivan Nikitich Smirnov (União Soviética): Smirnov representou a União Soviética nos julgamentos. Ele atuou como um dos juízes principais e contribuiu para a tomada de decisões durante o processo.
4. Henri Donnedieu de Vabres (França) De Vabres representou a França no tribunal. Ele também era um dos juízes principais e participou das deliberações sobre as sentenças. Além desses quatro juízes principais, também houve juízes suplentes de outras nações aliadas que ajudaram no processo.
O processo foi conduzido com base em evidências e testemunhos de vítimas e sobreviventes dos campos de concentração nazistas. Os promotores apresentaram provas contundentes contra os réus, incluindo documentos, registros e depoimentos.
O Legado
O Tribunal de Nuremberg estabeleceu importantes precedentes legais. Pela primeira vez na história, indivíduos foram julgados e condenados por cometerem atrocidades em nome de um governo ou regime. Os princípios estabelecidos em Nuremberg, como a responsabilidade individual por crimes de guerra e a noção de que “obedecer a ordens superiores” não é uma desculpa válida para ações ilegais, influenciaram significativamente o desenvolvimento do direito internacional.
Além disso, o tribunal trouxe à tona a importância dos direitos humanos e da justiça para as vítimas de atrocidades em massa. Os julgamentos de Nuremberg contribuíram para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, criado em 2002, que tem como objetivo julgar indivíduos por crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. O Tribunal de Nuremberg foi um marco na história da justiça internacional. Ao responsabilizar os líderes nazistas pelos horrores cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, ele estabeleceu um importante precedente para a busca da justiça em casos de crimes de guerra e genocídio. Para Lewandowski o Tribunal Penal Internacional,
Constitui um avanço importante, pois esta é a primeira vez na história das relações entre Estados que se consegue obter o necessário consenso para levar a julgamento, por uma corte internacional permanente, políticos, chefes militares e mesmo pessoas comuns pela prática de delitos da mais alta gravidade, que até agora, salvo raras exceções, têm ficado impunes […].
Lewandowski (2002)
O legado desse tribunal continua a influenciar o Direito internacional e a reafirmar a importância dos direitos humanos e da responsabilização por atrocidades em massa.
Das lições do Passado aos Conflitos Atuais
No entanto com o aumento da tensão internacional, a Rússia tem sido alvo de muitas críticas pelos seus atos na Síria, Ucrânia e outros países em conflito. Essas ações levaram muitos a questionar se a Rússia cometeu crimes de guerra e se deve ser submetida a julgamento internacional.
É fato que, em março de 2023 em uma decisão histórica, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin que está no poder desde 2012 . A ação ocorre após anos de investigação e deliberações sobre certos crimes de guerra e violação dos direitos humanos cometidos durante seu mandato. Esta é a primeira vez na história que um tribunal internacional emite um mandado de prisão contra um líder político em exercício.
Declaração do presidente Piotr Hofmański do TPI sobre o mandado de prisão contra Vladimir Putin
O Tribunal Penal Internacional (TPI)
O TPI é um tribunal judicial internacional permanente estabelecido para lidar com casos de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de agressão. Foi criado em 1998 pelo Estatuto de Roma e entrou em vigor em 2002, após a ratificação de 60 países.
O TPI é uma instituição independente e autônoma localizada em Haia, na Holanda. Ele tem jurisdição nos Estado signatários do Estatuto de Roma e sobre os indivíduos acusados de cometer os crimes mais graves de preocupação internacional quando os países envolvidos não podem ou não realizam julgamentos justos e imparciais. https://www.icc-cpi.int/
O TPI tem poderes para investigar, processar e julgar os acusados de crimes de sua jurisdição. Ele trabalha em estreita cooperação com os Estados membros e outros tribunais nacionais para garantir a aplicação da justiça internacional. O tribunal não substitui os sistemas de justiça nacionais, mas complementa-os quando necessário.
A missão do Tribunal Penal Internacional é contribuir para a prevenção de crimes graves que marcaram a comunidade internacional como um todo e assegurar a justiça para as vítimas. Ele tem autoridade para julgar indivíduos, incluindo chefes de Estado, líderes militares e outros responsáveis por cometer ou ordenar tais crimes. É importante destacar que o TPI só tem jurisdição sobre os países que são signatários do Estatuto de Roma ou quando o Conselho de Segurança da ONU encaminha um caso para o tribunal. Até o momento, 123 países haviam ratificado o Estatuto de Roma e se tornaram membros do TPI.
TPI e as acusações contra Rússia.
Após uma extensa análise de documentos fornecidos pela ONU e relatório de especialistas independentes, os juízes do tribunal concluíram que há fundamentos suficientes para indiciar Putin pelos seguintes crimes:
- Violência contra a oposição política: O mandado de prisão também acusa Putin de ordenar a perseguição e o assassinato de opositores políticos. Entre os casos citados estão o assassinato do ex-espião Alexander Litvinenko em Londres em 2006 e o envenenamento do líder da oposição russa, Alexei Navalny, em 2020.
- Anexação da Crimeia: A anexação da península da Crimeia pela Rússia em 2014 foi considerada ilegal pela comunidade internacional. O mandado de prisão argumentou que Putin, como presidente na época, desencadeou e apoiou a ocupação militar da Crimeia, violando o direito internacional e a soberania da Ucrânia
- O relatório da ONU afirma que os crimes de guerra cometidos pelos russos incluíram “ataques a civis e infraestrutura relacionada à energia, assassinatos dolosos, confinamento ilegal, tortura, estupro e outras formas de violência sexual, bem como transferências ilegais e deportações de crianças”..
O mandado de prisão emitido pelo TPI representa um passo significativo no enfrentamento da impunidade de líderes políticos acusados de violar graves direitos humanos. No entanto, a execução do mandado enfrenta diversos desafios, sendo quase impossível de ser cumprida, uma vez que a Rússia não reconhece a jurisdição do tribunal e não coopera com suas questões.
O governo russo, por sua vez, rejeitou categoricamente as acusações contra Putin, considerando-as politicamente motivadas e uma tentativa de desestabilizar o país. Autoridades russas afirmaram que não iriam prender ou extraditar Putin, e o Kremlin classificou o mandado de prisão como uma interferência flagrante nos internos da Rússia.
A emissão do mandado de prisão contra Vladimir Putin pelo Tribunal Militar Internacional coloca em evidência a complexidade dos processos de responsabilização de líderes políticos por crimes cometidos no exercício de suas cargas. A resposta da comunidade internacional e a continuidade dessa situação serão acompanhadas de perto nos próximos meses, com coordenação significativa para a justiça global e as relações internacionais.
Embora a questão seja complexa, ela pode ser comparada ao legado do Tribunal de Nuremberg, que condenou os líderes nazistas por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes contra a paz. O julgamento foi um marco na história da justiça internacional e estabeleceu o princípio de que indivíduos devem ser responsabilizados por seus atos, mesmo se estiverem agindo em nome de um Estado.
Ao comparar o caso da Rússia com o legado do Tribunal de Nuremberg, podemos ver algumas semelhanças e diferenças importantes. Por um lado, a Rússia tem sido acusada de cometer crimes de guerra, incluindo ataques aéreos indiscriminados na Ucrânia e a anexação da Crimeia em 2014. Essas ações violam o direito internacional e devem ser julgadas de acordo com os padrões estabelecidos pela comunidade internacional.
Por outro lado, a situação geopolítica atual é muito diferente daquela que levou ao julgamento de Nuremberg. Naquele momento, o mundo estava se recuperando de uma guerra mundial devastadora e havia um consenso global sobre a necessidade de punir os líderes nazistas por seus crimes. Hoje em dia, a comunidade internacional é muito mais fragmentada, com diferentes países defendendo diferentes interesses e perspectivas.
Diante dessas diferenças, é difícil dizer se a Rússia seria submetida a julgamento internacional ou não. No entanto, o legado do Tribunal de Nuremberg nos ensina que é fundamental responsabilizar os indivíduos por seus crimes, independentemente do seu cargo ou posição política. Se a Rússia cometeu crimes de guerra, é importante que esses crimes sejam expostos e os responsáveis sejam julgados de acordo com o direito internacional.
SUGESTÃO DE LIVROS
Sobre esse tema Separamos alguns Livro que vão ajudar a entender melhor a matéria aqui apresentada.
O presente estudo versa sobre o chamado Tribunal de Nuremberg, que julgou os grandes criminosos de guerra nazistas, percorrendo criticamente, em linguagem clara e objetiva e com ilustrações, a fascinante e polêmica via pavimentada com os seus precedentes, as características de seu Estado e julgamento, a jurisdição e o caráter internacional do Tribunal, os principais aspectos de seu procedimento e os princípios de Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto e pelo julgamento do Tribunal, com destaque para a afirmação do Direito Internacional, a questão dos fatos justificativos, a garantia de um processo equitativo,
Os Julgamentos de Nuremberg Os nazistas e seus crimes contra a humanidade Os julgamentos dos crimes de guerra de Nuremberg que começaram em 20 de novembro de 1945 e terminaram em 13 de abril de 1949. Essa é a história dos julgamentos de Nuremberg o mais importante processo criminal já realizado, que criou o princípio da responsabilidade individual de acordo com as normas do direito internacional e que encerrou a Segunda Guerra Mundial, dando início à reconstrução da Europa. Os nazistas eram um grupo de criminosos, assassinos, desequilibrados, sádicos e burocratas medíocres unidos apenas por sua filosofia de ódio e pelo amor à espoliação de bens alheios. À medida que fortaleciam seu poder, mais monstruosos eram seus crimes.
Tribunal Penal Internacional. a Concretização de um Sonho
Na esteira da criação do Tribunal Penal Internacional encontram-se alguns precedentes históricos oportunamente aqui revelados como o fato de o Direito Internacional Humanitário ter as suas raízes nas Conferências de Haia de 1899 e 1907. Vale mencionar também o estudo sobre as Convenções de Genebra de 1949 e os dois Protocolos de 1977 que dispõem de regras relaticas à proteção de vítimas de conflitos armados. O livro mostra que o Tribunal de Nuremberg na Alemanha e o Tribunal de Tóquio no Japão representaram uma enorme contribuição nos julgamentos de crimes contra a paz crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A repressão aos graves crimes contra a humanidade faz nascer os tribunais criminais ad hoc especificamente na ex-Iugoslávia em 1993 e em Ruanda em 1994. Estes tribunais foram criados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Referencias Bibliográficas
BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A Justiça Penal Internacional: sua evolução, seu futuro de Nuremberg a Haia. Barueri: Manole, 2004. Tradução de Luciana Pinto Venâncio.
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UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM. Tribunal Militar internacional de Nuremberg. Disponível em: https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/international-military-tribunal-atnuremberg. Acesso em: 19 ago. 2023.
ZOLO, Danilo. Victor’s Justice: from Nuremberg to Baghdad. New York: Verso Books, 2009. 208 p. Translated by M. W. Weir.
Rússia em Julgamento: Crimes de Guerra e o Legado do Tribunal de Nuremberg de Bruno Amaro está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional.