A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o cônjuge sobrevivente em uma união estável só assume a condição de herdeiro se a união ainda existir até o falecimento do outro companheiro. Essa decisão reafirma a necessidade da manutenção do vínculo afetivo para a participação na herança, como ficou claro no julgamento de um recurso especial, onde uma mulher buscava ser reconhecida como herdeira de seu ex-companheiro falecido.
O Fim da União Estável e o Direito Sucessório
Conforme o entendimento do STJ, a separação de fato encerra o regime de bens e, consequentemente, também o direito à herança. O advogado Conrado Paulino da Rosa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Rio Grande do Sul (IBDFAM-RS), explicou que a manutenção de uma relação afetiva é essencial para que o viúvo ou a viúva participe da sucessão.
Essa questão veio à tona após a ex-companheira de um homem falecido tentar se habilitar no inventário para dividir os bens como herdeira. Embora o casal tivesse se separado, ela alegou que não havia uma sentença formal de dissolução da união estável e que a separação de fato não ultrapassava dois anos. No entanto, o STJ negou seu pedido, apoiando-se no fato de que, em uniões estáveis, a dissolução ocorre com o rompimento da convivência, independentemente de uma decisão judicial formal.
União Estável x Casamento: Diferenças Jurídicas
Uma das principais argumentações do recurso da mulher se baseou no artigo 1.830 do Código Civil, que garante o direito à herança para o cônjuge sobrevivente em casos de separação de fato que não ultrapasse dois anos. Entretanto, o STJ considerou que essa regra se aplica apenas ao casamento formal, não à união estável. Conforme esclareceu Conrado Paulino da Rosa, esse prazo de dois anos para separação de fato era exigido antes da Emenda Constitucional 66 de 2010 para a obtenção do divórcio direto.
O relator do caso, o ministro Moura Ribeiro, destacou que não há formalidades específicas para o rompimento de uma união estável, sendo suficiente o consenso ou a vontade de uma das partes para encerrar a relação. Diferente do casamento, que requer formalidades legais, a união estável pode ser rompida de maneira mais simples, o que impacta diretamente no direito à herança.
Divergências na Jurisprudência
O tema ainda gera discussões no meio jurídico. De acordo com Conrado Paulino da Rosa, existem divergências jurisprudenciais sobre o direito sucessório em casos de separação de fato. Enquanto a Terceira Turma do STJ tem negado o direito à herança em casos de separação, a Quarta Turma já decidiu, em outra ocasião, que o cônjuge sobrevivente teria direito à herança em até dois anos após a separação de fato.
Essas divergências são mais comuns nos casos de casamento formal. Já nas uniões estáveis, o entendimento predominante é que, uma vez rompida a convivência, não há previsão legal que garanta o direito à herança ao companheiro sobrevivente, diferentemente do que acontece no casamento.
Impactos da Decisão e Propostas de Reforma
A decisão do ministro Moura Ribeiro reafirma que a dissolução da união estável não depende de sentença judicial, já que o principal objetivo da ação de dissolução é a partilha de bens e o pagamento de pensão. No caso em questão, a convivência já havia sido rompida, conforme demonstrado pela ação de dissolução de união estável e pela medida protetiva concedida em favor da ex-companheira com base na Lei Maria da Penha.
Segundo Moura Ribeiro, a ação de reconhecimento e dissolução de união estável tem caráter meramente declaratório, ou seja, ela apenas reconhece formalmente um fato já ocorrido: o término da convivência entre as partes e os seus efeitos jurídicos.
Essa questão é especialmente relevante desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, no tema de repercussão geral 809 que declarou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, o qual tratava da sucessão entre companheiros. Desde então, tem havido debates sobre a aplicação do artigo 1.830 às uniões estáveis, mas a recente decisão do STJ deixa claro que a separação de fato afasta o direito sucessório.
Perspectivas Futuros no Direito Sucessório
A decisão também levanta uma questão que está sendo debatida no anteprojeto de reforma do Código Civil, entregue ao Senado Federal em março de 2024. Segundo Conrado Paulino da Rosa, as sugestões de reforma incluem uma nova redação para o artigo 1.830, que deve esclarecer de forma definitiva que a separação de fato, seja no casamento ou na união estável, afasta o direito sucessório do cônjuge ou companheiro sobrevivente.
Embora ainda haja divergências no tratamento jurídico das uniões estáveis e do casamento, a tendência é que o sistema jurídico brasileiro se torne mais claro e coeso, garantindo maior segurança jurídica para todos os envolvidos.
A decisão da Terceira Turma do STJ reforça a importância de distinguir os efeitos jurídicos da união estável e do casamento, especialmente no que diz respeito ao direito sucessório. Enquanto o casamento formal ainda oferece uma margem de proteção maior ao cônjuge sobrevivente, as uniões estáveis requerem maior atenção quanto à manutenção do vínculo afetivo até o momento do falecimento. O fim da convivência afasta o direito à herança, conforme demonstrado neste julgamento, e novas reformas legislativas podem trazer ainda mais clareza sobre o tema.
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REsp 1.990.792
Com informações da IBDFAM