A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu uma reclamação contra decisão de juízo de primeira instância que contrariou acórdão da Terceira Turma da Corte ao reincluir, na fase de liquidação de sentença, valores relativos a indenização por danos morais previamente afastados em sede de recurso especial. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, foi categórica ao afirmar que a exclusão dos danos morais foi ampla, sem qualquer distinção entre pessoas físicas e jurídicas.
A origem do conflito está no julgamento do Recurso Especial nº 1.497.313, no qual o STJ havia analisado ação rescisória movida por um banco contra sentença proferida em ação revisional de contrato de empréstimo. Na ocasião, a Terceira Turma decidiu excluir a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Mesmo diante dessa decisão superior, o juízo de primeira instância, durante a liquidação da sentença, interpretou que a exclusão se aplicava apenas à parte autora pessoa jurídica, reincluindo o valor da indenização para os autores pessoas físicas. Isso motivou a interposição da reclamação que agora foi julgada procedente.
A ministra Nancy Andrighi destacou que não houve, em nenhum momento do processo, qualquer distinção entre as pessoas físicas e jurídicas quanto ao pedido de indenização. De acordo com a relatora, a decisão da Terceira Turma do STJ foi clara e objetiva ao excluir “toda e qualquer” indenização por danos morais, e, portanto, não cabia ao juízo de primeiro grau fazer interpretação extensiva ou restritiva desse conteúdo. Ela ressaltou ainda que, em caso de dúvidas, a parte interessada deveria ter interposto embargos de declaração para esclarecer eventuais omissões ou obscuridades, o que não foi feito pelos réus da ação rescisória.
Com base nisso, a Segunda Seção cassou todas as decisões que incluíram valores a título de danos morais na base de cálculo da liquidação da sentença revisional e determinou que tanto o juízo da execução quanto o tribunal de segunda instância se abstenham de prosseguir com a inclusão desses valores. A ministra também aplicou multa por litigância de má-fé aos autores da ação revisional, por entender que houve tentativa indevida de rediscutir matéria já decidida, afrontando os princípios da lealdade, boa-fé e cooperação processual.
Hierarquia entre juízes e tribunais: a doutrina e a jurisprudência
O episódio reforça a importância da hierarquia entre os órgãos do Poder Judiciário, especialmente no respeito às decisões de tribunais superiores. A doutrina jurídica brasileira é clara ao afirmar que os juízos de instância inferior estão vinculados às decisões proferidas pelas cortes superiores, principalmente quando estas já transitaram em julgado. Trata-se da aplicação prática dos princípios da segurança jurídica e da autoridade da coisa julgada.
Autores como Fredie Didier Jr. e Nelson Nery Junior enfatizam que, embora o juiz tenha liberdade na interpretação da norma, ele não pode contrariar decisões vinculantes, sob pena de violação à ordem jurídica e ao sistema de precedentes instituído pelo Código de Processo Civil de 2015. A hermenêutica judicial tem limites, e estes devem respeitar o conteúdo expresso das decisões superiores. Conforme reiterado pela ministra Nancy Andrighi: “Não há entrelinhas nos julgamentos do STJ”, reforçando que a literalidade do julgado deve ser respeitada.
Esse entendimento reforça a estabilidade e coerência do sistema judicial brasileiro, desestimulando decisões arbitrárias e garantindo a uniformidade da aplicação do direito. O respeito à hierarquia jurisdicional é essencial para a manutenção da ordem legal e da previsibilidade nas relações jurídicas.